Pobres são aqueles que precisam de muito para viver. Esses são os verdadeiros pobres. Eu tenho o suficiente. O problema não são as coisas; são as pessoas.” (José Mujica, atual Presidente do Uruguai)

“Não ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões minam e roubam. Antes, ajuntai tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem, e onde os ladrões não minam nem roubam; porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração.” (Jesus Cristo, Mt 6, 19-21)

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Vejo uma nítida correlação entre as palavras de Jesus e as de Mujica, que me inspiraram este ensaio: a de que pobreza e riqueza NADA têm a ver com a quantidade de bens materiais; mas com o valor/sentido a eles atribuído, quanto ao seu uso ou à ânsia do seu acúmulo.

Afirmação, aqui igualmente pertinente, que alguns atribuem a Jô Soares; outros, a Chico Xavier, mas de autoria comprovada do comediante, ator e radialista Pedro de Lara, conduz, também, a necessárias reflexões: “tem gente que é tão pobre, mas tão pobre, que só tem o dinheiro.” Realmente. Quem coloca suas âncoras de tranquilidade ou de prazer no dinheiro é muito pobre, porque padece da ilusão ou ingenuidade de que ele garanta a cura de todos os males, os melhores relacionamentos, contatos sociais “de alto nível” e a estabilidade existencial. Ledo engano!

Se não houver uma base amoroso-valorativa de zelo, de profunda gratidão e de desapego do ser humano para tudo que integra a existência, devidamente re-significada pela maturidade que se espera dos homens e mulheres com o passar dos anos, o mais que possuam só materialmente NUNCA será suficiente para lhes preencher lacunas, frestas e abismos íntimos ou problemas relacionais.

Pouco antes do São João, na estrada entre Salvador e Retirolândia (minha terra natal), indo descansar em casa dos meus pais, uma amiga me confessou ter ouvido estupefata, de uma conterrânea nossa, o seguinte: “meu amigo é o meu dinheiro. Só ele!”. E eu lhe respondi: “Que pena! Para mim, ouvir isto é quase uma tragédia. Ainda bem que não fui eu quem escutou diretamente dos lábios dela. Tenha certeza, minha amiga, que ‘fulana’, assim afirmando, padece de sérias carências existenciais e sabe muito bem os males que ‘este seu melhor e único amigo’ não cura. Haja vista a gente analisando a própria vida social e relacional dela como um todo…”

Com a licença dos ateus, agradeço, profundamente, a Deus, porque não nasci, como se diz, “em berço de ouro”; sempre tive o mínimo necessário para o meu conforto e tudo que os meus pais me deram/davam (até brinquedos mais caros na infância, por exemplo), faziam-no, demonstrando-me, sem alegações, mas com sabedoria, que aquilo era motivo de eu reconhecer o esforço deles (ou seja: esclareciam-me que não me deram simplesmente porque eu quis ou no momento exato que eu lhes manifestei o desejo, mas quando puderam me dar, no tempo certo; o que, hoje, eu bem sei valorizar). Por isto, embora jamais eu me sinta apegado a bem material algum, valorizo/zelo tudo que conquisto e, desde criança, especialmente estimulado pelo meu saudoso avô Evaristo, tracei uma meta de, quando adulto, passar em um concurso público (e passei), para não depender, nem de me submeter aos caprichos de absolutamente ninguém. Meu avô me dizia: “Júnior, se você puder, estude para ser, como eu, funcionário público. Mal ou bem, há um ‘dinheirinho’ garantido, todo final de mês, na conta.” E daí, ele sorria, como sempre espirituoso, aconselhando-me a seu modo.

É obvio que o dinheiro, quando bem investido, sempre traz conforto, excelentes frutos/investimentos, reforça a respeitabilidade social (em uma sociedade capitalista e ainda tão materialista, que infelizmente mais vê o que TEMOS do que o que SOMOS ou desejamos SER) e nos proporciona momentos que, sem ele, viveríamos com restrições ou nem viveríamos.

Mas a saúde psíquica e emocional de sentirmos gozos impagáveis na vida (a felicidade de contemplarmos a beleza da natureza – que, para muitos, passa despercebida; a dádiva de amizades realmente verdadeiras, sadias e desinteressadas materialmente; o bálsamo de amores – de alma e corpo, integrais – que nos admiram pelos nossos valores e bagagens emocional-imateriais) o dinheiro não garante, nem de longe. Se garantisse, a depressão, doenças outras (as psicossomático-emocionais, por exemplo), suicídios, surtos e “loucuras quase incuráveis” variadas não estariam atingindo tantos ricos ou “abastados pecuniários”, como se detecta na atualidade.

Os poucos conhecidos meus, de sairmos juntos, que têm muito dinheiro (digo conhecidos porque, apesar de eu frequentar os chamados “círculos restritos”, nunca tive e, por ora, não tenho amigo(a) categórica ou propriamente rico(a) material; os(as) poucos(as) amigos(as) íntimos(as) que tenho são, para mim, o mais raro: “abastados(as) emocionais”) transmitem-me, com suas palavras ou comportamentos, que o maior desafio das vidas deles é “filtrarem”/”separarem” as pessoas se aproximam ou procuram intimidade com eles por interesse no que têm (bens materiais ou influências, por exemplo) das que se achegam, natural e progressivamente, por reais afinidades, visando a outras possibilidades relacionais: frutos e partilhas mais profundas, sadias, não-maculadas de interesses vis ou mesquinhos.

Conheço “ricos só financeiramente” e “ricos só pelas influências sociais ou familiares” que, além das rotineiras e cansativas demandas inerentes ao excesso de conforto ou intimidade com influentes (como a contínua atenção para com as seguranças pessoal e familiar, por exemplo), alimentam, neuroticamente (em alguns casos, quase psicoticamente), “armamentos” e desconfianças emocionais indisfarçáveis, com relação a todos(as) que deles ou “dos(as) seus(suas) imaginariamente protegidos(as)” se aproximam. São exemplos alguns familiares de famosos(as), com a eterna “neura” de que todas as pessoas (sem exceção!), que se aproximam da família, estão querendo se promover ou ter “minutos de fama”; e, em alguns casos, a vida prova, bem adiante, que tal “armadura”, além de uma pobreza enorme, revelou-se totalmente desnecessária, porque havia lastro de justificação valorativa para a aproximação, a afeição e a eterna gratidão, que acabam se sedimentando inevitavelmente e sendo, realmente, comprovadas com o tempo; algumas – não todas, eu sei – por laços/forças de afinidade que transcendem a matéria (espirituais, por exemplo. E, aqui, não há “blindagem” que evite o “encontro das águas/almas”).

O foco prioritário da humanidade, infelizmente, tem sido, em sua maior parte e especialmente nos países de tradição capitalista, o acúmulo material desmedido por si só e, pois, sem sentido, como uma espécie de fim em si mesmo, sem um fim justificável racionalmente. Aí, o tempo passa rápido e constatamos: os males que o dinheiro não cura (doenças gravíssimas; síndromes raras – ainda inominadas pela Medicina – ou comprometimentos súbito-terminais de órgãos, que não têm milhões nem bilhões que sustentem a permanência da vida física); a paz que a moeda também não compra (a exemplo de uma consciência verdadeira e plenamente tranqüila – porque muita gente apregoa, mente e disfarça tranqüilidade de consciência, para cobrir atos e omissões antiéticas lamentáveis); a felicidade, no sentido do bem-estar ou gozo psíquico mais regular ou perene (que gordas contas bancárias ou aplicações jamais asseguram) e, com o tempo, vamos constatando muitos(as) fartos(as) materialmente e/ou famosos(as) se tratando com psiquiatras, neurologistas, equipes interdisciplinares, etc. Os portadores de síndromes raras degenerativas, por exemplo, no geral, são reflexos encarnados das próprias correrias desenfreadas; das suas “sangrias” por dinheiro, por poder; são reféns da própria falta de sentido altruístico/valorativo (que deveriam ter dado às suas vidas) e dos lixos emocionais que acumularam ao longo dos anos. Aqui, não há dinheiro que resolva rapidamente. Só a reforma íntima, que demanda tempos maiores.

Como cristão-espírita, oro para que esta pobre fatia humana reveja tal rumo com urgência. Apesar do sábio lema kardequiano “fora da caridade não há salvação”, os ensinamentos da Doutrina Espírita JAMAIS condenam o ter muito dinheiro. Simplesmente, alertam para que, conforme a Bíblia, “a quem muito for dado – não só materialmente – muito será cobrado.” Assim como há pobres ou humildes materiais de alma riquíssimas, elevadas (conheço muitos e sou amigo íntimo de alguns, graças a Deus!), há ricos materiais que não deixam a mesquinhez de alma, nem conseguem se desapegar em uma só encarnação. E a vida em abundância, para a qual Jesus disse ter vindo, como herança/promessa para os seus eleitos, longe está das “megalomaníacas” – como as vejo – “teologias da prosperidade”, que prometem ascensão, conforto ou riqueza material aos(às) que se converterem aos princípios/discursos rasos de alguns pregadores ou “pastores midiáticos”, doando o que têm (e o que não têm, às vezes) a igrejas, que mais vejo como empresas, do que qualquer outra coisa.

Dinheiro é importante? Sem dúvida! Mas quem o prioriza acima da dignidade de uma vida plena e realmente bem vivida, sofre muito, independente se milionário ou carente de recursos materiais. Rico é quem, embora muito grato ao dinheiro, manda nesse, colocando-o no seu devido lugar/patamar. Quem se deixa conduzir pelas suas obsessões vive, de tempos em tempos, ou dia a dia, “montanhas russas emocionais” e fossos existenciais graves/gravíssimos, que comprovam a pobreza ou a miséria do seu temporário portador.

Anunciei estes dias, brincando com alguns amigos, que rezassem pelas minhas mãos, porque um dos meus smartphones caiu e rachou a tela (está remediado por película e capa, ainda funcionando plenamente) e o outro, “mergulhou” rapidamente na privada, quando nessa fui sentar – risos… Mas (esclareci logo!) estava tudo limpinho e pude socorrê-lo com agilidade. Risos… Mas “apagou” por completo, estou sem ele há dias e não estou ansioso pelo retorno do técnico. Eu deixaria de me comunicar por isto ou me abateria emocionalmente por conta das inevitáveis quedas de aparelhos? Jamais! Com todo respeito – porque são de fantástica tecnologia e me servem muito -, antes eles do que a minha saúde física ou emocional comprometida.

Lamento por quem, se encostar o mínimo do seu carro em algo, arranhando-lhe; se outro carro “beijar” o seu ou se alguém danificar um pouquinho ou muito da sua pintura propositadamente, perde, literalmente, o dia. O mau humor invade: um misto de ódio, de repetição de lamentações e os níveis de cortisol só aumentando. Era engraçado quando eu chegava de viagem para descanso em Retirolândia e minha mãe, com o olhar sempre clínico, via algum “arranhãozinho” ou leve amasso no meu carro. Ela já me disse, com palavras assemelhadas, em diversas ocasiões no passado (hoje, quase não faz; conformou-se): “onde foi isto aqui perto da porta do seu carro?” Eu lhe respondia: “Não sei, mãe. Alguém deve ter encostado ou eu mesmo posso ter encostado sem me dar conta…” Antes de eu terminar a explicação, ela já vinha com vários “puxões de orelha”: “você não vai juntar nada nesta vida; não tem cuidado com suas coisas!” / “Ah não, Júnior! Que desvalorização com o que você tem, meu filho! Tenha mais cuidado!” E etc, etc. Risos… Numa dessas ocasiões, eu lhe disse, como sempre em tom leve, mas sério: “Mãe, se este carro, sua “lataria” ficar alguns séculos exposta ao tempo, a sol e chuva, resiste incontáveis anos! Se o meu corpo ficar sob o tempo ensolarado, basta um dia sem eu me hidratar, eu morro. A senhora acha que eu vou me preocupar com isto? Ah… Não vou mesmo! Vamos mudar o disco, já!”. Risos… E daí, eu sorria, até ela mudar de assunto ou se cansar e parar os “sermões”.

Foi o que ocorreu estes dias quando eu, transitando pela Av. Paralela, a caminho da SAEB, percebi a contagem do semáforo diminuindo de cinco para zero, e eu, obviamente, fui reduzindo a velocidade, porque, pela lógica, ficaria vermelho. Eu já percebia a rapidez de um caminhão que vinha atrás e pensei: “este caminhão pode bater no fundo do meu carro. A pista está úmida e vem em alta velocidade”. Não deu outra e o hilário: os segundos que decresciam, quando chegou a zero, o semáforo, simplesmente, com defeito, continuou verde e retomou a recontagem! Risos… Os motoristas, nestas horas, já descem “armadíssimos”, nervosos e eu respiro profundamente, posicionando-me “com baldes d’água para apagar os fogos”. O jovem motorista de uma firma desceu agitado, justificando e me perguntando se eu não sabia que, na Av. Paralela, vários semáforos estavam quebrados e não ficavam vermelhos… Eu lhe disse que não. Que aquela era a primeira situação pela qual eu havia passado (de um semáforo reduzir os segundos a zero e ficar verde); que ele errou em não reduzir a alta velocidade na qual vinha e que nada que ele tentasse justificar inocentaria a batida, porque, além de tudo isto (das fotos que eu tirei, da testemunha que estava comigo, etc.), ele bateu no fundo do meu veículo e isto já induz a caracterização da culpa do condutor que colide. Como o meu carro tem aqueles suportes de guincho (isto que salvou a traseira, para evitar sua quase, imagino, total destruição) e foi mínimo o amasso, eu resumi: “meu amigo, pegue aqui meu cartão, tome as medidas que entender cabíveis – porque não ficaremos parados aqui nesta avenida movimentadíssima -, que eu pensarei se tomarei alguma medida.” Ele me ligou ou tomou alguma medida? Lógico que não. Nem eu; porque, se eu fosse agir administrativa ou judicialmente por um amasso de tão pequena monta, eu me desgastaria emocionalmente muito mais do que desembolsar cerca de cem Reais para uma oficina desamassar.

Para algo de ordem material me tirar do sério, tem que ser, efetiva e racionalmente, muito preocupante. Há anos, não permito que o dinheiro mande em mim. Eu é que determino os seus limites em minha vida. Se uma eventual dificuldade material ou, como se diz, um “aperto temporário” (como o pelo qual passei quando da compra recente de um imóvel) não comprometer o meu essencial à cotidiana sobrevivência, eu não me privo de ABSOLUTAMENTE NADA – um bom jantar; uma viagem agradável; a aquisição do que mais gosto: livros, CDs e DVDs, por exemplo. Não sou irresponsável nos gastos, mas o Universo tem sido muito mais abundante para comigo quando faço o dinheiro circular pela minha vida, e não essa dançar conforme os seus ritmos imprevisíveis.

Por isto, vejo como verdadeiros humildes-milionários Jesus e Mijuca, que inauguram este meu ensaio; e prossigo, à luz das almas elevadas, agradecendo a Deus e orando com reverência, como agora peço licença para fazê-lo:

“Obrigado, Senhor, porque Tu bem sabes que, hoje e sempre, só me resta Te agradecer pelo digno trabalho que Te pedi, que me oportunizaste conquistar dignamente, que me oferta o mínimo do conforto a que almejei e de que, enfim, necessito. Quanto aos bens materiais, eu já Te pedi e Te renovo a súplica: que eu jamais esteja por estar num patamar de sobra material; que eu tenha o que for necessário à minha evolução e aos amparos desinteressados que devo prestar aos que clamam socorro. Agradeço-Te, meu Deus, porque os frutos mais impagáveis desta minha vida Tu já me deste e me dás: alguém a quem amo e que me ama, do mesmo modo, profundamente; os meus livros e os outros que virão; os dons artísticos, literários e todos os valores imateriais (integridade, educação, sensatez…) que aprendi a cultivar. Não há maior regozijo, Jesus, e estou certo de que Tu já me atendeste o pedido (que, desde a minha infância, saía do meu coração e eu vibrava para que chegasse aos Teus ouvidos): a graça de que, nesta encarnação, eu conquistasse o mínimo material para ser um cidadão plenamente independente, sem precisar ser, propriamente, um afortunado de bens físicos. Que a minha riqueza permaneça, até o meu desencarne, nas minhas bagagens ético-morais – que nada pesam, que deixarei como legado e que o meu espírito também levará consigo. Que, pois, mantenhas, em mim, o máximo bem que eu possa fazer e a minha consciência tranquila quanto aos meus deveres cumpridos e quanto a nunca eu ter desejado ou conscientemente feito mal a quem quer que seja. Eis, para mim, meu Deus, a minha maior riqueza; o meu maior legado: a vitória das vitórias da existência e o motivo de eu me sentir um homem muito feliz na terra. MUITO OBRIGADO, SENHOR! MEU DEUS, MUITO OBRIGADO!”

Assim, encerro este ensaio, voltando à questão inicial: “afinal, onde estão os teus tesouros?” 

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Enézio de Deus, escritor, médium e compositor baiano, é natural de Retirolândia-BA; Advogado, Mestre e Doutorando em Direito de Família pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL); autor de livros jurídicos, literários e mediúnicos.

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