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Parecidíssimos são os constantes assassinatos de homossexuais do sexo masculino que saíram com homens perigosos e não escondiam sua atração por tais perfis, ao estilo “bofes e michês”, que estão em toda parte e, quando paquerados, logo soltam frases como: “vai me dar quanto?” “O que vou ganhar com isto?”. Por que tantos gays (que vêm sendo mortos ou extorquidos) buscam reiterado prazer com estes aproveitadores, alimentando-lhes vícios/caprichos e se submetendo às suas violências, no mínimo, simbólicas? Eis o aspecto silenciado. Prosseguiremos, no entanto, esclarecendo/alertando: apesar da nossa irrestrita defesa da vida, se considerável parcela de gays mantiver tais atitudes/riscos, as ocorrências destas mortes, infelizmente, não diminuirão no Brasil.

É preciso diferenciar o crime homofóbico dos demais. Ninguém nega, por exemplo, o caráter nitidamente homofóbico da morte do adestrador de cães Edson Néris pelos chamados “Carecas do ABC”/SP, bem como dos crimes contra homens, só pela suposição de serem gays: o carinho entre pai/filho agredidos em São João da Boa Vista-SP ou o abraço dos irmãos saindo de uma festa e espancados, um deles até o óbito, em Camaçari-BA. A homofobia, entretanto, NÃO tem sido o motivo principal das reiteradas mortes de gays (quase inexiste lésbica em tais circunstâncias) que se arriscam em locais inadequados com homens perigosos ou os levam, o que é pior, para as suas próprias residências.

Se perseguir ou “matar por matar”, homofóbica/odiosamente (ação delinquente cotidiana isolada de outras circunstâncias), gays no Brasil fosse regra, nós, por relativamente conhecidos defensores dos direitos da vasta população LGBTTT – e outros, bem mais notórios -, já teríamos morrido há anos. Argumentos cientificamente vazios/improváveis de pontuais ONGs e militantes generalizam a causa no preconceito, como se todo assassinato de gay fosse puramente homofóbico; e não é verdade. Justificar que gays levam “boys” desconhecidos para suas casas, para estabelecimentos precários ou locais desertos, pela homofobia cultural ou por imposições discriminatórias de motéis/hotéis, também não se sustenta na atualidade. Em se tratando de estabelecimentos minimamente profissionais, tal não ocorre; esses já trabalham adotando o devido cuidado/padrão empresarial (assim são orientados também pelo Poder Público) de somente hospedarem quaisquer pessoas, após elas se identificam, documentalmente, na entrada.

Inquéritos e demais peças processuais sobre as quais nos debruçamos – a partir de 2010 até hoje, por interesse científico pelo tema (assim prosseguiremos, embora a pesquisa que gerou o nosso livro Assassinatos de Homossexuais e Travestis tenha sido publicada/concluída quanto aos seus objetivos, recortes temporal, espacial e opções metodológicas específicos/as do Mestrado), comprovam a causa mais recorrente destes homicídios em se tratando de homossexuais do sexo masculino como vítimas: vingança dos assassinos diante do que entendem como acordos ou pagamentos descumpridos. São comuns, como agentes e delegados(as) têm tornado público em entrevistas, lutas corporais antes da consumação do crime, por desentendimentos sobre finanças ou brigas relacionadas a “trocas/expectativas materiais” frustradas. O fio condutor, assim, silenciado pelos militantes que veem homofobia em quase tudo, segue inalterado: a busca dos gays pelo prazer mediante condições de inegável risco. E não adianta generalizar que o Estado, em todas as suas instâncias, é homofóbico (não investiga, tem “má vontade”, não leva a júri popular, não prende, etc), porque tal, além de também incomprovado, relaciona-se, infelizmente, mais ao padrão socioeconômico da vítima e da sua família do que a qualquer outro traço ou aspecto. Gays mortos, quando conhecidos ou influentes têm – perdemos de vista os tantos exemplos, com raras exceções -, seus assassinos logo encontrados e capturados pela Polícia. Por quê? Os desdobramentos que levam investigados, denunciados, réus confessos ou sentenciados a permanecerem ou não presos, durante pouco ou muito tempo em nosso país (por envolvimento em homicídios, latrocínios, etc.) NADA têm a ver com a orientação sexual das vítimas; dizem, em verdade, com o próprio sistema penal: recursos, variadas outras estratégias advocatícias de defesa e mazelas/fragilidades estruturais já conhecidas do Judiciário – tema para outras pesquisas; há sérias neste sentido.

Palestrando na OAB/Bahia, questionaram-me sobre uma lésbica assassinada e a companheira agredida em 2012 após homens invadirem sua casa em Salvador. Respondi que aguardaria o trabalho da SSP. A causa comprovada com o tráfico de drogas foi desconsiderada por militantes que, antes de qualquer aprofundamento por parte das autoridades competentes, “bradaram” a lesbofobia e incluíram mais este caso em suas “estatísticas” de crimes homofóbicos.

Em nada ajudam, em termos de prevenção ou prático-propositivos efetivamente, os incomprovados discursos/“clichês” de que “o Brasil é o país mais homofóbico do mundo”, “a cada X dias, X gays são assassinados no Brasil com requintes de crueldade”; “o Brasil é o campeão mundial em homofobia”, “o Brasil é a nação que mais mata homossexuais”, etc., se as condutas dos VIVOS não forem revistas. A questão é, sobretudo, de prevenção/educação: enquanto a “chave” estiver nos desejos/deliberações dos gays como potenciais vítimas expondo-se a tais riscos, as incidências não diminuirão. Não há política pública ou criminalização que resolva, se tal aspecto (que sempre abordaremos em prol da vida) estiver fora da nossa luta. Delegados e delegadas, por exemplo, que têm cumprido regimentalmente o seu papel – no geral – de forma elogiável (na medida das limitações e falhas sistêmicas comuns em todos os procedimentos estatais), reconhecem, constantemente e de público, com razão, que NADA as Secretarias de Segurança Pública ou as Polícias podem fazer diante da autoexposição/livre deliberação da própria vítima de levar um (ou mais) desconhecido(s)/perfil(is) perigoso(s) – por sexo – para dentro da sua residência, para um local ermo ou para um estabelecimento precário, “de quinta categoria”.

E as LÉSBICAS, onde se inserem neste contexto de insegurança que diz com a nossa complexa/heterogênea população LGTT? Sim: “LGTT”, porque nos atemos às vítimas mais documentadas: homossexuais de ambos os sexos (lésbicas e gays), e, em breve, num outro ensaio, abordaremos as especificidades constatadas, documental/processualmente, em assassinatos de travestis e transexuais – que, também, nem sempre têm a “travestifobia” ou “transfobia” como causa isolada, direta ou imediata (as/os travestis em especial destaque, porque parcela sobremaneira exposta, que mais sofre preconceitos/discriminações, ante a lógica rígida binária de gênero que “estrutura/movimenta” a nossa sociedade e fora da qual ela “não funciona bem”: barra-lhes o livre exercício da cidadania e, pois, infelizmente, exclui-as/os, “cospe”-lhes, despreza-as/os).

As homossexuais brasileiras, felizmente, têm sido poupadas de mortes deste tipo, porque, apesar de haver as que vivenciam múltiplas experiências sexuais, essas são bem mais seguras do que as reiteradas arriscadas decisões de gays – pelo desejo. Embora, portanto, a lesbofobia ceife (algo raro como causa única ou isolada) vidas de lésbicas, os caminhos são muito diversos dos abertos pelos gays dia a dia. Além de poucas ocorrências, o que mais têm motivado assassinatos de mulheres homossexuais, desde sempre em nosso país, é a passionalidade mesclada a outros sentimentos: as mortas por ex-maridos, ex-companheiros ou ex-namorados machistas inconformados (ante a sua posterior escolha afetiva por outra mulher) e pelas próprias esposas/companheiras/namoradas (em desdobramentos do ciúme) destacam-se em comprovações documentais – o que não exclui, no misto de preconceitos/ódio/dominação, a lesbofobia; nem sempre preponderante, mas detectada em alguns casos.

Qualquer pesquisa criteriosa nas raras bases governamentais (http://www.sdh.gov.br/assuntos/lgbt, por exemplo) ou de ONGs (essas coletam somente notícias iniciais da grande mídia e as comentam; por isto, pouco confiáveis) confirma que, no contexto das peculiares violências que geram mortes de LGBTTs, com causa diretamente relacionada ou não à homo(trans)fobia, as lésbicas têm morrido muito menos do que gays e travestis, porque as suas expressões de vivência da sexualidade, no geral, não as expõem. Lésbica cruelmente assassinada (via homicídio ou latrocínio) por ter levado uma desconhecida para casa? Fato raríssimo. No meio gay, infelizmente, realidade corriqueira. De igual sorte, uma análise científica – isenta da “paixão” ou de interesses que cega(m) alguns militantes, portanto -, como procedemos há anos com inquéritos e processos-crime (aliada a técnicas como entrevistas com delegados, agentes, investigadores, juízes e promotores das varas do júri/execuções penais), atesta que não é a exposição a riscos (parceiras interesseiras ou sexo com mulheres de perfil delinquente) que tem gerado assassinatos de lésbicas. Esses, no somatório dos demais, quando a variante considerada é a orientação sexual, felizmente, são exceções.

Nem a criminalização da homo(trans)fobia (medida mais “pedagógica” do que “mágica”, a tipificação legal-penal, que defendemos e com a qual concordamos), nem a isolada destinação de verbas a ONGs resolverá o triste panorama das constantes mortes de homossexuais no Brasil – que, para a diminuição quanto aos gays em específico, têm dependido de autoamor/autoestima e prevenção consciente/cuidado de si, mais do que de qualquer outra ação. O repetido discurso da homofobia como causa única de todos os assassinatos homossexuais, de tão incomprovado, tornou-se enfadonho. Urgem, pois, sensatas reflexões, nos espaços e canais LGBTTTs, sobre a forma como estamos vivendo/administrando os nossos desejos e nos relacionando, sem qualquer cunho moralizador ou de equivocada atribuição de culpa às vítimas. O alerta, aqui e desde sempre, é para os VIVOS! Afinal, em que pese um conhecido panfleto, a sensatez nos leva a reconhecer que, lastimavelmente, “gays vivos têm, sim e muito, dormido com seus próprios inimigos” e, por isto, morrido. Não adianta tentar, por interesses (“holofotes” midiáticos pessoais ou para ONGs; recursos para projetos; “apego” ao que sempre afirmou/defendeu no passado) ou por motivos outros, como se diz, “tapar o SOL com antigas peneiras”. Oxalá as lésbicas prossigam preservadas, raramente assassinadas!

Foto, EnézioEnézio de Deus – Advogado, servidor público EPPGG/SAEB, Doutorando em Família Contemporânea pela UCSAL, autor, dentre outros livros, de “Assassinatos de Homossexuais e Travestis: Retratos da Violência Homo(trans)fóbica” (Editora Instituto Memória).

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