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Motor de sisal da década de 40 resiste na Bahia; mutilados passam de dois mil

por Henrique Mendes | G1 BA
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Com investimento de R$1,2 milhão, projeto para ‘máquina segura’ falhou | Foto: Reprodução/G1

Edson Oliveira, trabalhador rural de 26 anos, perdeu a parte superior de um dos dedos da mão esquerda quando operava uma máquina desfibradora de sisal. O acidente ocorreu em 31 de dezembro de 2013, dia de festa de réveillon para milhões de brasileiros e de trabalho pesado nas roças do município de Conceição do Coité, a cerca de 210 quilômetros de Salvador. Psicologicamente, o desastre deixou traumas. “Não gosto nem de lembrar. Quando me dei conta, já não tinha nada a fazer. É triste”, lamenta.

Apesar da trágica lembrança, nada mudou na vida profissional do jovem cevador. Quase um ano após o acidente, o trabalho de risco persiste diante de um equipamento que já mutilou mais de 2.000 produtores de toda região sisaleira, que é composta por mais de 30 municípios. “Eu tenho medo que ocorra de novo, mas não tenho outro meio de sobreviver”, explica o motivo de ainda se arriscar meio à vegetação seca do semiárido baiano.

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Edson Oliveira, de 26 anos, perdeu parte de um dos dedos em 2013 | Foto: Henrique Mendes/G1

As vítimas do motor do sisal estão espalhadas pelas comunidades de Conceição do Coité. Morador do “Assentamento Nova Palmares”, a 12 quilômetros do centro do município, o próprio Edson Oliveira relata que não foi o primeiro da família a ter sido vítima do equipamento. “Eu tenho um tio que cortou até aqui”, disse apontando para o antebraço. Em caso próprio e sobre o parente, o cevador comenta que os acidentes ocorreram durante descuidos de segundos. “Eu vacilei. Num momento de distração, a minha mão desceu. O trabalho exige muita atenção”, explica o produtor que desfibra sisal há 10 anos. 

Diante da vegetação seca, o som alto e persistente do motor do sisal indica os caminhos para histórias de outras vítimas. Rodeado por jovens cevadores, o trabalhador rural Antônio da Silva Cardoso, de 54 anos, guarda as marcas de um acidente traumático. Em 1976, quando tinha apenas 16 anos de idade, perdeu quatro dedos da mão esquerda quando operava a máquina desfibradora. Era o primeiro ano de trabalho com o equipamento e dez anos posteriores de afastamento das atividades do campo.

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Antônio da Silva Cardoso, de 54 anos, teve dedos mutilados em 1976 | Foto: Henrique Mendes / G1

“Nesse período, meu pai ainda era vivo e ele me deu sustento até quando eu consegui, assim, um custo. Aí, depois que eu consegui, meu pai parou de me ajudar. Sempre agradeço a meu pai, que foi quem me ajudou quando eu me acidentei”, disse emocionado. Após décadas, ainda é difícil para Antônio lembrar dos momentos do desastre. Seus olhos marejam ao reaver os traumas de uma adolescência perdida.

“Eu passei um ano e meio que não aguentava nem passar nem perto do motor trabalhando assim, que eu me lembrava. Ficava naquele pensamento. Fui indo, fui indo, fui indo. Pedi por Deus e fui esquecendo. A gente trabalhador de roça vê muita coisa, né? Foi passando esse tempo, mas de vez em quando me lembro ainda”, desabafa.

Hoje em dia, Antônio ainda opera o motor mutilador. “Mas faço de tudo para não lembrar daquele dia”, ressalta a força que empreende para dar continuidade ao serviço que possibilita a manutenção de mais de 700 mil pessoas em toda região sisaleira.

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Bráulio Oliveira, de 49 anos, é dono de motor de sisal | Foto: Henrique Mendes / G1

Antônio trabalha na máquina de Bráulio Oliveira, de 49 anos. O produtor rural herdou o equipamento do pai, em 1974, sendo que o produto foi adquirido pela família em 1949. O trabalho do dono e do cevador se misturam. Eles atuam juntos na colheita, transporte e desfibração do sisal.

“As máquinas que usamos são muito antigas. O problema é que os melhores técnicos não veem na região para criar uma máquina. Lá nos Estados Unidos mesmo, lá não tem sisal. Então, eles não têm como criar uma máquina, uma tecnologia para trazer para cá. E se também fizer vai vender a quem? Porquê uma máquina dessa deve ser cara”, argumenta.

‘Tecnologia’ de 40
Coordenador do Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (Sintraf) de Conceição do Coité, Urbano Carvalho, de 55 anos, explica que a máquina utilizada para desfibrar o sisal é a mesma operada pelos trabalhadores rurais há mais de 60 anos.

Ele detalha que a segunda etapa de beneficiamento da planta – quando é feita a seleção da fibra nas batedeiras industriais-, já evoluiu bastante. Antes, os fardos eram carregados nos ombros. Hoje, há elevadores que sustentam a produção. “Apesar disso, nada evoluiu no setor primário. Nada mudou na vida do pequeno produtor. São mais de seis décadas utilizando a mesma máquina”, critica.

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Urbano Carvalho, de 55 anos, diz que falta investimentos no campo | Foto: Henrique Mendes / G1

Mesmo diante do risco que persiste após gerações, Urbano esclarece que o número de acidentes diminuiu na região graças às orientações de manuseio empreendidas pelos sindicatos locais, como também pela adaptação dos produtores com os equipamentos. Foram três casos registrados na cidade nos últimos dois anos.

Outro motivo apontado para a redução dos acidentes está relacionado à própria queda na produção de sisal – mais de 50% desde a década de 90. A produção que chegou a ser de 160 mil quilos por ano no município, hoje não passa de 70 mil. Urbano destaca que a queda está relacionada a três grandes motivos: a seca que atinge a região – que só este ano levou os produtores a perder mais de 80% da safra de inverno; a praga conhecida como ‘Podridão Vermelha ‘ – fungo que afeta a qualidade da planta; além do baixo preço de repasse da fibra que durante muito tempo girou em torno de R$0,60/ Kg. Hoje, o custo médio é R$2,60/Kg.

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Máquina “Paraibana” responsável por mutilações na região sisaleira | Foto: Henrique Mendes / G1

A máquina que há décadas mutila milhares de produtores tem aparência rudimentar. Chamada popularmente de “Paraibana”, ela é composta por uma charrete com motor a diesel e uma máquina desfibradora acoplados. O produto tem 12 canaletas que funcionam como cevas. A folha do sisal passa, justamente, no espaço entre o giro das canaletas e uma pedra de limar. Os produtores estimam que a velocidade do motor chegue a 40 Km/h.
Sem trava de proteção, a mão do cevador se aproxima das canaletas. Quando a planta está seca, a fibra pode se prender à máquina e puxar a mão do operador que não estiver atento.

Frustração no campo
Em 2010, uma parceria entre o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e a Secretaria de Ciência Tecnologia e Inovação do Estado (Secti) viabilizou a produção e distribuição de mais de 100 unidades de uma nova máquina desfibradora de sisal.

Conhecida como “Faustino”, o equipamento surgiu como esperança de “mutilação zero” nos municípios da região sisaleira da Bahia. A distribuição dos produtos foi realizada na cidade de Valente, a 26 quilômetros de Conceição do Coité, que é considerado o maior polo industrial de sisal do país. A produção e compra dos novos produtos custou R$1.294.897,80.

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Máquina “Faustino V”, que não tem produtividade para cevadores | Foto: Henrique Mendes / G1

O Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (Sintraf) disponibilizou ao G1 o projeto do novo equipamento publicado em agosto de 1999. Os dados disponibilizados no documento apontavam um cenário eminentemente animador.  Sobre o novo produto, as informações divulgadas diziam que um dispositivo de segurança impediria o risco de mutilações. Os documentos também indicavam que a “Faustino” teria uma produção mensal média de 4 mil quilos,  2,4 mil a mais que a “Paraibana”. A diferença de produção implicaria em um acréscimo de R$1 mil na renda mensal do dono da máquina, que até aquele momento era de R$96.

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Adevaldo Oliveira, de 40 anos | Foto: Henrique Mendes / G1

Apesar de ter oferecido segurança aos operadores, o novo equipamento não atendeu às expectativas dos trabalhadores em termos de produtividade. “Os produtores não aprovaram o equipamento. O rendimento não era o mesmo e o custo era alto. A máquina velha ficou”, garantiu o gerente administrativo da Fundação de Apoio à Agricultura Familiar do Semiárido da Bahia (FATRES), Adevaldo Oliveira, de 40 anos.

No Povoado do Junco, a 10 quilômetros do centro de Valente, o produtor rural José Elias Lima, de 57 anos, confirmou a frustração. Ele ressalta que a produção do novo equipamento é mais de 50% inferior à antiga. “A produção da mais velha chega até 600 Kg por dia. Na nova, ninguém até hoje conseguiu produzir mais de 300 Kg”, argumenta.

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José Elias Lima, de 57 anos, não aprovou nova máquina desfibradora | Foto: Henrique Mendes / G1

O posicionamento é reiterado por Bráulio Oliveira, que é dono de uma máquina “Paraibana” em Conceição do Coité. “Trabalhando de 5h às 12h, a máquina mais velha produz 425 kg, por aí. A outa [mais nova] produz 150 Kg. Em vez de levar para frente, ela levou a gente para trás. O governo jogou dinheiro fora”, reclama.

Diante dos riscos oferecidos pela máquina “Paraibana” – que persistem há quase 70 anos -, o ex-produtor rural Neivaldo Oliveira, de 59 anos, preferiu deixar o trabalho no sisal. Ainda assim, guarda marcas da profissão de risco. Em 1983, ele perdeu quatro dedos da mão esquerda no motor mutilador. “Eu tinha 28 anos. Na hora que acontece, vem muita coisa na cabeça. Logo, você pensa: como vou sobreviver? Na época acontecia muito. A região tinha muito mutilado”, destaca.

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Neivaldo Oliveira, de 59 anos, teve dedos mutilados em 1983 | Foto: Henrique Mendes / G1

Mesmo com o acidente, Neivaldo detalha que voltou ao trabalho seis meses após ter os dedos amputados. “Fiquei até 1992. Tinha que trabalhar e não havia muita saída”, explica. Hoje, distante dos trabalhos do campo, ele atua numa oficina de Valente como alinhador de jante de moto. Ainda assim, as marcas da tragédia ressoam. “Fica o trauma, mas a vida precisa seguir”, conclui. 

Investimentos perdidos
Por meio de nota, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) informou que a aquisição das novas máquinas foi resultado de um contrato com a Secretaria de Ciência e Tecnologia e Inovação do Estado da Bahia (Secti), por meio da Ação de Apoio à Infraestrutura em Territórios Rurais (Proinf), em 2007.

Conforme o MDA, o programa previa a aquisição de 112 máquinas desfibradoras de sisal, beneficiando diretamente 120 agricultores familiares e indiretamente 3.500 agricultores. Foram investidos R$1.294.897,80, sendo que R$1 milhão de repasse do MDA e R$294.847,80 da Secti.

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Meio à vegetação, produtores trabalham na máquina antiga de sisal | Foto: Henrique Mendes / G1

Apesar do investimento R$1.294.897,80,  o MDA destaca que o valor executado no projeto foi de R$ 573.241,80. Por isso, o órgão atesta que houve devolução de recursos no valor de R$426.758,20 referente ao repasse do MDA e R$174.897,80 de rendimentos de aplicação. “Estes valores foram devolvidos à União em 14 de agosto de 2012. A Secti prestou contas da execução física e financeira à Caixa Econômica Federal, mandatária da União. A aprovação da mesma ocorreu em 21 de agosto de 2012 e está registrada no SIAFI sob o número 2012NS001294”, informa nota.

O MDA ressalta que, até o momento, não consta nos arquivos da Secretaria de Desenvolvimento Territorial qualquer denúncia acerca da utilização irregular dos equipamentos adquiridos no contrato do Proinf. Deste modo, o órgão afirma que irá solicitar posicionamento da Secti sobre o assunto.

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Produção de sisal é afetada pela seca que atinge a região do semiárido | Foto: Henrique Mendes / G1

“A execução do contrato e a correta utilização dos equipamentos adquiridos em benefício da agricultura familiar é uma atribuição da Secti. Entretanto, com vistas a garantir que os equipamentos adquiridos sejam devidamente utilizados pelo publico beneficiário e em consonância com o objetivo do projeto apoiado, o MDA está solicitando informações complementares à Secti”, destaca o Ministério.

Também por meio de nota, a Secretaria de Ciência Tecnologia e Inovação do Estado (Secti) confirmou a destinação de algumas máquinas para região sisaleira, mas ressaltou que elas não foram aceitas pelos produtores por serem muito pesadas e de difícil movimentação.
Devido à rejeição dos produtores, a Secti afirmou que, em agosto deste ano, contratou junto ao Senai/Cimatec – instituição de referência nacional em engenharia mecânica -, um projeto de protótipo máquina desfibradora de sisal desenvolvido pela instituição, que se encontra em fase de execução, com estimativa para testes em março de 2015. “Nesse projeto serão investidos R$ 1.567.500,00”, ressalta nota.

Sisal: importância econômica
De acordo com Secretaria da Agricultura, Pecuária, Irrigação, Reforma Agrária, Pesca e Aquicultura (Seagri), a cultura do sisal gera a renda que possibilita a sobrevivência de aproximadamente 700 mil pessoas em mais de 260 mil hectares da cultura, distribuídos em mais de 40 municípios do semiárido baiano, englobando os territórios do Sisal, Chapada da Diamantina, Piemonte da Diamantina, Semiárido Nordeste II, Sertão do São Francisco, Piemonte do Paraguaçu, Bacia do Jacuípe, Irecê, Vale do Jiquiriçá e Piemonte Norte do Itapicuru. Sendo que em mais da metade destes, o sisal é a fonte de renda mais importante.

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Sisal é colocado para secar após planta ser desfribrada | Foto: Henrique Mendes / G1

Segundo a Seagri, o Brasil é o maior exportador de sisal do mundo, com uma produção anual de 119 mil toneladas, o que corresponde a 56% da safra mundial. É também o maior produtor mundial de sisal, com uma fatia de 40% do mercado. A Bahia é o principal produtor de sisal do território brasileiro, contribuindo com 94% da produção nacional.

No estado, representa o segundo produto na pauta de exportação agrícola, tendo uma grande importância social por envolver aproximadamente 150 mil famílias, que encontram no sisal a única fonte de renda. Os grupos reunidos em Arranjos Produtivos Locais (APL) são apoiados pelo programa estadual Progredir, coordenado pela Secti.

O sisal é uma planta que produz uma fibra natural e biodegradável e pode ser utilizada na fabricação de tapetes, bolsas, chapéus, artigos de decoração em geral, todo tipo de cordoaria e até peças plásticas para automóveis.

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Transporte de sisal colhido é feito por jegues até máquina desfibradora | Foto: Henrique Mendes / G1

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