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Foto: Gil Ferreira/CNJ

A contaminação do sistema penitenciário brasileiro pelas facções criminosas tem crescido e está presente em todas as unidades da federação, com destaque para o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), nascidos em São Paulo e no Rio de Janeiro, respectivamente.

Levantamento inédito feito pelo Ministério da Justiça e obtido pela Folha de S.Paulo mostra que as duas maiores facções do país têm atuado em 24 estados e no Distrito Federal, com um crescimento mais acentuado do Comando Vermelho.

De acordo com os dados, o CV está presente em presídios de 21 unidades da federação, seis a mais do que no ano anterior. O PCC está em 23, duas a mais do que em 2022.

O tamanho do Comando Vermelho, do PCC e de outras facções foi mapeado pela Senappen (Secretaria Nacional de Políticas Penais), ligada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, a partir de dados da Rede Nacional de Inteligência Penitenciária. O mapeamento aponta que 70 facções criminosas operam nas cadeias.

Segundo especialistas, o cenário é sintomático do descontrole do poder público, que fortalece o crime organizado —tanto pela incapacidade de o sistema isolar lideranças que, mesmo presas, comandam crimes nas ruas, quanto pelas condições dentro das cadeias, catalisadoras do aliciamento de novos integrantes.

O Comando Vermelho teve um crescimento expressivo a partir da expansão para o Norte e Nordeste. Esse processo teve início pelo sul da Bahia até chegar a Salvador, onde firmou uma aliança com a facção Comando da Paz.

Das 70 facções atuantes no sistema prisional, apenas o Comando Vermelho e o PCC têm abrangência nacional. Outras 13 apresentam atuação regional, enquanto 55 têm influência restrita a nível local.

As autoridades também mapearam o poder das facções. Do total, 21 são consideradas de alto impacto, segundo cálculo que considera a atuação de advogados, força financeira, estrutura hierárquica, quantidade de aliados e também de inimigos no sistema prisional.

Presos e egressos disseram à Folha que o recrutamento de novos integrantes pelas facções é constante. E as próprias condições do sistema colaboram com isso. Com superlotação dos presídios, não há estrutura de separação de internos, por exemplo.

No país, há um déficit de mais de 162 mil vagas nos presídios estaduais, que reúnem 644 mil presos. Sétimo país em número de habitantes, o Brasil tem a 3ª maior população carcerária do mundo.

Rafael Velasco, secretário Nacional de Políticas Penais do Ministério da Justiça e Segurança Pública, admite que a superlotação transforma o problema em um ciclo vicioso.

“Com mais pessoas, as facções arregimentam novos soldados, eles acabam indo para rua, cometendo novos crimes, retornando para o sistema prisional e enchendo cada vez mais”, disse.

Para Renato Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o respeito aos direitos humanos e à legislação podem ter impacto no enfraquecimento das facções.

“É possível mudar essa realidade respeitando a Lei de Execuções Penais, que determina separação de presos por tipos de crime, evitando a superlotação e dando condições para o cumprimento da pena para que as facções não se aproveitem para vender facilidades e proteção”, diz. “A maioria das facções se fortalece hoje pelas condições do sistema”, acrescenta.

Uma das lacunas apontadas por estudiosos é a ausência de políticas voltadas para os egressos.

Para a diretora-executiva do Justa, Luciana Zaffalon, o país insiste em um encarceramento de massa que não proporciona benefícios tangíveis à segurança pública.

“Ao negligenciar o suporte às pessoas que deixam o sistema prisional, cria-se um vácuo de poder que, no contexto político, é prontamente ocupado pelas facções”, avalia. “O estado não fazer é tão importante quanto fazer”.

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