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Por TV Globo

Fachada do Supremo Tribunal Federal | Foto: Gustavo Moreno/STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma, nesta terça-feira (25), o julgamento que vai definir se o porte de maconha para consumo próprio pode ou não ser considerado crime. O g1 reuniu as informações sobre o julgamento até o momento e o que pode acontecer com uma decisão da Corte sobre o caso.

O STF vai liberar ou legalizar o consumo da maconha ou de outras drogas?

Não. Nas sucessivas sessões, os ministros têm deixado claro que não está em jogo a legalização do consumo de qualquer substância.

Na semana passada, o presidente Luís Roberto Barroso voltou afirmar que não há legalização de qualquer droga em discussão. Ou seja, o uso de drogas, mesmo que individual, permanecerá como ato ilícito, ou seja, contrário a lei.

“O Supremo considera que o consumo de drogas, mesmo para consumo pessoal, é um ato ilícito. O Supremo não está legalizando droga. É um comportamento ilícito, que fique claro”, afirmou.

Com isso, quem agir desta forma ainda estará sujeito às sanções que já estão na legislação, como advertência sobre os efeitos das drogas e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Não há liberação de qualquer atividade relativa a entorpecentes.

Se o STF não vai legalizar, o que vai decidir?

O tribunal deve definir se é crime uma pessoa ter consigo drogas para seu próprio consumo. Ou seja, na prática, a questão envolve saber se ele será considerado um ato ilícito de natureza penal (um crime) ou administrativa.

Uma decisão sobre isso tem repercussões na forma pela qual os casos são tratados pela Justiça e para o histórico criminal da pessoa – a configuração de reincidência, por exemplo.

Além disso, o STF deve fixar, em relação a uma ou mais substâncias, a quantidade que pode ser considerada como de uso individual.

O que é descriminalização, despenalização e legalização?

Despenalizar significa substituir uma pena de prisão (que restringe a liberdade) por punições de outra natureza (restrições de direitos, por exemplo).

Legalizar é estabelecer uma série de leis que permitem e regulamentam uma conduta. Estas normas organizam a atividade e estabelecem suas condições e restrições – regras de produção e venda, por exemplo – além das punições para quem descumprir o que for definido. Na prática, é autorizar por meio de uma regra.

Já descriminalizar consiste em deixar de considerar uma ação como crime. Ou seja, em âmbito penal, a punição deixa de existir. Mas é possível ainda aplicar sanções administrativas ou civis.

O Supremo não está discutindo despenalizar nem legalizar a conduta. O que está em debate é se ela deve ser tratada ou não como crime.

No entendimento dos ministros, a despenalização já ocorreu e foi feita pelo Congresso Nacional, quando substituiu a lei de 1976 pela de 2006. Isso aconteceu porque a nova redação passou a prever sanções que não envolvem mais prender o acusado.

Também não há legalização, já que a elaboração de leis e regulamentos para uma atividade é uma atribuição do Poder Legislativo.

O STF está decidindo sobre o crime de tráfico de drogas?

Não. A discussão não envolve o tráfico de drogas, conduta punida como crime que vai continuar sendo um delito, com pena de 5 a 20 anos de prisão.

Qual o cenário atual do julgamento?

Os nove votos apresentados até o momento se dividem em três correntes:

Cinco ministros consideram que não é crime o porte de drogas para consumo individual. A conduta é um ato ilícito administrativo, com a possibilidade de aplicação de advertência sobre os efeitos das drogas e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Seguem nesta linha o relator Gilmar Mendes e os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber (aposentada) e Alexandre de Moraes.

Três ministros entendem que a lei é constitucional, ou seja, na prática, o trecho deve ser mantido – entendido como um crime, com as repercussões socioeducativas. Seguem esta linha os ministros Cristiano Zanin, Nunes Marques e André Mendonça.

O ministro Dias Toffoli abriu uma terceira corrente, que se diferencia dos dois posicionamentos anteriores. Para Toffoli, a mudança operada na Lei de Drogas sobre a conduta, em 2006, fez com que a prática tivesse deixado de ser crime desde então. No entanto, as punições administrativas permanecem e os processos com este tema devem ser julgados nas áreas da Justiça que tratam de matéria penal. Toffoli considerou que a regra prevista na Lei de Drogas deve ser mantida.

Ou seja, com este cenário, ainda não há maioria para deixar de enquadrar o porte de maconha como crime.

Quais ministros ainda devem votar?

O julgamento será retomado na terça-feira (25) com o voto do ministro Luiz Fux. Na sequência, a ministra Cármen Lúcia deverá apresentar seu posicionamento. Pelas regras internas, pedidos de mais tempo de análise podem ser apresentados, a qualquer tempo, por qualquer ministro.

O que já foi definido?

Já há maioria no sentido de que é preciso estabelecer uma quantidade que vai diferenciar usuários de traficantes. Sete ministros entendem que o Supremo já pode fixar a quantidade – as sugestões variam de 10 a 60g.

Dois ministros entendem que cabe a outras instituições, com o Congresso Nacional ou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), definir esta quantidade.

Qual o efeito de distinguir usuários de traficantes?

A definição de uma quantidade que pode separar usuários de traficantes pode ajudar a polícia e a Justiça a garantirem tratamentos iguais para situações semelhantes.

Na semana passada, o ministro Alexandre de Moraes ilustrou o impacto da falta de um critério com um exemplo hipotético. “Um homem negro, analfabeto, de 18 anos, é considerado traficante com 20g. Alguém com mais de 30 anos, branco, com curso superior, só é considerado traficante em média com 60g. Estamos falando da mesma situação. A polícia chega. Os dois, em tese, podem estar lado a lado. Se os dois estiverem com 20g, só o negro é preso. Isso não é Justiça”.

O que diz a lei atual?

A Lei de Drogas, de 2006, estabelece, em seu artigo 28, que é crime adquirir, guardar e transportar entorpecentes para consumo pessoal.

No entanto, a legislação não fixa uma pena de prisão para a conduta, mas sim sanções como advertência, prestação de serviços à comunidade e aplicação de medidas educativas (estas duas últimas, pelo prazo máximo de 5 meses).

Ou seja, embora seja um delito, a prática não leva o acusado para prisão.

A norma não diz quais são as substâncias classificadas como droga – essa informação é detalhada em um regulamento do Ministério da Saúde.

Além disso, determina que cabe ao juiz avaliar, no caso concreto, se o entorpecente é para uso individual.

Para isso, o magistrado tem de levar em conta os seguintes requisitos:

A natureza e a quantidade da substância apreendida; o local e as circunstâncias da apreensão; e as circunstâncias sociais e pessoais da pessoa que portava o produto, além de suas condutas e antecedentes.

Ou seja, não há um critério específico de quantidades estabelecido em lei. Com isso, a avaliação fica a cargo da Justiça.

A lei de 2006 substituiu a regra que vigorava desde 1976. Na antiga Lei de Drogas, carregar o produto para uso individual era crime punido com prisão – detenção de 6 meses a dois anos, além de multa.

Quais são as possíveis repercussões da decisão do STF em outros casos?

O processo tem repercussão geral, ou seja, a decisão tomada pelo tribunal deverá ser aplicada pelas outras instâncias da Justiça em ações com o mesmo tema. Isso vai ocorrer a partir de uma espécie de guia que será elaborado pelos ministros logo após a conclusão do julgamento.

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, há pelo menos 6.354 processos com casos semelhantes suspensos em instâncias inferiores da Justiça, aguardando uma decisão do tribunal – ou seja, ações em curso podem ser afetadas.

Os dados do CNJ não levam em conta as investigações criminais com o mesmo tema, já que ainda não são ações penais. Ou seja, o impacto pode ser maior.

Por que o STF discute o caso?

O Supremo foi provocado a se manifestar a partir de um recurso que chegou à Corte em 2011. O caso envolve a condenação a dois meses de prestação de serviços à comunidade de um homem que portava 3g de maconha dentro do centro de detenção provisória de Diadema (SP).

A Defensoria Pública questionou decisão da Justiça de São Paulo. Entre outros pontos, disse que a criminalização do porte individual fere o direito à liberdade e à privacidade. Como estes direitos fundamentais estão previstos na Constituição, cabe ao STF se pronunciar.

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