Aprovada em medicina aos 49 anos e após 12 tentativas, estudante aconselha outras mulheres: ‘sonhem’
Por g1 Petrolina
O sorriso no rosto e os calos nas mãos mostram que a vida de Janecleia Martins é feita de muita luta e esperança. Mãe, esposa, dona de casa, vendedora de marmita, passadeira, e, agora, aos 49 anos, estudante de medicina. Após 12 anos de tentativas, a moradora de Petrolina, no Sertão de Pernambuco, acaba de ser aprovada no vestibular da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), em Salvador.
Ser médica é o sonho de Janecleia desde os 11 anos de idade. “Queria curar as pessoas que tinham a mesma doença que minha avó, que morreu de câncer”, conta. Só que a vida tinha outros planos para ela. Casamento aos 16, nascimento da primeira filha aos 17, sete anos depois, a chegada do segundo filho. Foram anos de trabalho, mas sem deixar morrer a vontade de menina.
A chegada do curso de medicina da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) em Petrolina reacendeu em Janecleia o desejo de retomar os estudos. Ela, que terminou o Ensino Médio em 1994, em 2010 fez o Enem e vestibular pela primeira vez.
“Eu sempre quis ser médica, mas a família não tinha condições. Mas, ao longo do tempo foi amadurecendo essa ideia, até que a Universidade veio para cá [Petrolina] e reavivou ainda mais o meu sonho. E eu disse: agora eu vou, porque vou conseguir o que eu sempre quis”, destaca Jane, como é conhecida.
Sem frequentar uma sala de aulas há 16 anos, Jane foi em busca de qualificação. Oriunda de escola pública, ela concorria a vaga de bolsistas em cursinhos preparatórios da região. “Não tinha condições nenhuma de pagar um cursinho pré-vestibular”, diz. “Durante muitos anos foi assim que me preparei. Como tinha parado os estudos em 1994, comecei do zero em 2010”, completa a estudante.
O curso de medicina costuma ser o mais concorrido nas universidades. Se para quem tem toda a estrutura, a aprovação é difícil, para Janecleia, que encara uma jornada tripla, a persistência foi a principal arma. “Comecei do zero, até quando consegui ir aumentando minha nota, até chegar onde cheguei hoje, graças a Deus”.
De Petrolina para Salvador
As coisas na vida de Janecleia não costumam ser fáceis. Embora o curso de medicina da Univasf tenha sido a motivação para ela voltar a estudar, a aprovação no tão sonhado curso veio no vestibular da Uneb, em Salvador, há pouco mais de 500 km de distância de Petrolina.
Janecleia e o marido Sirley moram no bairro José e Maria, na periferia de Petrolina. Atualmente, ela trabalha passando roupas e ele como autônomo. O filho mais novo, de 25 anos, está desempregado. A filha, de 32, faz faculdade a distância. A família se equilibra para manter as contas em dia. Mas, a falta de dinheiro não impediria que Jane deixasse de realizar o sonho de infância justamente quando ele estava tão perto.
O resultado do vestibular da Uneb saiu em fevereiro e Jane teria poucos dias para realizar a matrícula. “Teve uma explosão de alegria quando recebi a notícia que passei, mas aí fiquei totalmente triste porque sabia que não ia ter como ir a Salvador. Não tinha condição financeira nenhuma”, conta Jane, lembrando que neste momento a família foi fundamental.
“Estava todo mundo feliz, mas eu disse que não tinha condições de arcar com as despesas, nem com a passagem para levar a documentação para garantir minha vaga. Foi quando meu irmão e minha família todos se juntaram e, em poucas horas, conseguimos o dinheiro para pagar a passagem. Saí daqui no penúltimo dia, no último ônibus”.
Jane conta que viajou para a capital baiana apenas com a passagem de ida e mais R$ 30 para se locomover na cidade. Após realizar a matrícula no Campus da Uneb, retornou para a rodoviária enquanto aguardava a família conseguir o dinheiro para comprar a passagem de volta. Durante esse tempo, se alimentou com água e biscoitos que havia levado de casa.
Aprovada, devidamente matriculada, Janecleia vai começar a estudar na próxima segunda-feira (13). Graças ao dinheiro arrecadado por uma vaquinha virtual feita pela filha, ela conseguiu o suficiente para se manter na cidade pelos próximos três meses. Neste tempo, vai procurar os serviços de assistência da Universidade e não descarta aceitar trabalhos extra para manter a renda. “Passo até roupa, se for preciso”, afirma.
Jane não vê a medicina como um meio apenas para ganhar dinheiro. “Vai ser medicina por amor mesmo. Se fosse só para ganhar dinheiro, continuava vendendo marmita”, afirma.
” A minha pretensão daqui pra frente é fazer o melhor do melhor que eu puder, me qualificar o máximo possível, ser o mais humana possível na profissão, porque realmente vai ser por amor”, diz a futura cirurgiã.
Fonte de inspiração para vizinhos, familiares e os inúmeros colegas de cursinho que teve ao longo desses 12 anos, Jane deixa um recado, principalmente para as mulheres.
“Quero motivar as mulheres que têm sonhos. E as que não têm, que abram suas cabeças e sonhem, porque só sonhando e tendo objetivos, você chegará onde quer”.