Câmara dos deputados: uma enquete mal elaborada ou elaborada com indução direta de resultado? – Por Enézio de Deus
Desculpem-me a palavra, mas que pergunta RIDÍCULA a desta “enquete”! Estou pasmo desde que a acessei. (Ver enquete)
Cumpre-nos esclarecer que o Estatuto das Famílias NUNCA teve o objetivo de excluir as famílias LBGT da proteção legal. Pelo contrário: o Estatuto, fruto de muitos anos de estudos de nós, membros do IBDFAM (Instituto que o apresentou como projeto de lei) e de diversas autoridades na área dos Direitos das Famílias, ampliou o máximo a proteção familiar de toda natureza e trouxe, desde o nascedouro, expressamente, a proteção do Estado às famílias, independente das orientações sexuais dos seus membros e de ser formada ou não por casais de sexos diferentes.
O Estatuto foi sendo “minado” e tendo o seu texto deturpado, conforme nós do IBDFAM o propusemos no início, pelos fundamentalistas de plantão com suas “baixas negociatas mercantis de templo” no espaço público.
É óbvio que todas as pessoas sensatas quase automaticamente clicarão no SIM nesta pesquisa/enquete. Lógico! Esta pergunta esconde o “x” da questão e tem a cara, por exemplo, da bancada evangélica: se faz de desentendida, subestima a inteligência dos brasileiros e crê que, com as suas baixíssimas influências – nada compatíveis com o ESTADO LAICO -, chegará a lugares que deseja. A questão não é ser a favor ou contra que a definição de família seja a união formada por homem e mulher. O objetivo da enquete (diga-se de passagem, muito irresponsável), caso fosse uma consulta popular séria, seria perguntar a nós, todos/as os/as cidadãos/ãs brasileiros/as, se concordamos com a extensão do conceito de família, além da heterossexual, para as uniões entre pessoas do mesmo sexo também e para o fim de igualmente incluí-las no relevantíssimo Estatuto das Famílias. Ou perguntar se os brasileiros concordam que o Estatuto das Famílias insira em seu leque de proteção também as famílias formadas por casais do mesmo sexo.
Aí sim, os cidadãos/ãs responderiam sobre o que a burrice, astutamente, deturpou em sua ridícula pergunta, para a induzir imediatamente as pessoas a responderem que concordam com a definição de família como a união entre homem e mulher. E por que não concordar? Mas, se o resultado culminar para que o texto do Estatuto somente caracterize família como a união heterossexual, tal diploma continuará como os velhos civis vigentes, que tanto agradam aos parlamentares e aplicadores preconceituosos de limitadíssima visão.
Ou seja, se esta leva de equivocados conseguir com que o Estatuto das Famílias limite o conceito ou a caracterização dessas, mais uma vez terei a certeza de que os princípios democráticos, a solidariedade, o pluralismo e o respeito futuro à dignidade de todos e todas sem distinção prática alguma correm sérios riscos. E não olvidemos a remota (remota ou próxima?) possibilidade de o Brasil se tornar uma nação teocrático-fundamentalista, cujos espaços público-institucionais serão também, mais do que hoje, locais de culto e louvor (a quem? Ao Deus de Jesus? Absolutamente não). Oremos e ajamos rápido, pesquisadores e militantes, porque, do contrário, afogaremos no “mar de retrocessos” capaz de matar avanços seculares na seara dos Direitos Humanos – como os da vasta e heterogênea população LGBT brasileira, que já ultrapassou a cifra de mais de 20 milhões de cidadãos e cidadãs brasileiros/as (de “quinta ou milésima categoria”, srs. Deputados fundamentalistas? Cidadãos e cidadãs como eu, que deixarão de amar, como naturalmente se expressam os seus desejos, porque vocês querem que assim o seja? Jamais! E quem são vocês, os “arautos da moralidade cristã limitada”, perante séculos de conquistas democráticas inseridas nas constituições e hoje tão bem sedimentadas nas decisões das mais altas cortes ou tribunais? Ao meu ver, são como propositais “comedores de mosca” para uma platéia de alienados aplausos; e, de fato, aqui, a Agência Câmara comeu, comeu feio.
Exigimos, em nome da sensatez, da justiça e da ação científico-racional que deve conduzir as ações do Estado Laico, que este site oficial reinicie esta mal elaborada enquete, com uma pergunta direta, lógica, precisa, clara e capaz de desnudar o que está ocorrendo no Congresso, desnecessariamente, por conta de um estatuo como este, tão sério e que visa a unificar a normativa da seara dos Direitos das Famílias num único micro-sistema legal protetivo. Se nele for mantido exatamente o que os “pastores, bispos e ministros – da ‘palavra’? – deputados/senadores” tanto deseja, retrocederemos de modo abissal.
Por favor, queridos amigos e colegas Maria Berenice Dias, Luiz Viana Queiroz, Sérgio Barradas Carneiro e demais autoridades com poderes para tal, inclusive militantes (também com acesso ao Congresso), intervamos URGENTE, para que haja o reinício desta ilógica enquete, através de uma pergunta adequada para o fim a que se deseja aferir.
Enézio de Deus, escritor baiano natural de Retirolândia, é advogado-membro do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito das Famílias) e da Comissão da Diversidade Sexual da OAB-BA; Mestre e Doutorando em Família na Sociedade Contemporânea pela UCSAL.