‘Não tem mais leito, não tem mais UTI, não tem mais corredor’: o desabafo de um médico de Manaus
Por G1
“Em questão de 48h, 72h, esgotamos os leitos da rede particular de UTI, de enfermaria, e de internação. A gente está se virando como pode para receber os pacientes com Covid. (…) Muitos, muitos casos novos. E que infelizmente estão evoluindo para uma necessidade ventilatória mais avançada. É devastador não ter material suficiente, não ter leito para esse pessoal esperar (…)”.
É desse jeito que começa o desabafo do médico Filipe Shimizu enviado ao G1. Nas redes sociais, um vídeo em que ele também aparece relatando a situação da pandemia no Amazonas neste fim de ano viralizou.
Com aumento de casos e internações por Covid, familiares de pacientes e funcionários também relatam a lotação e o clima tenso nas unidades. Até esta segunda (28), mais de 5,1 mil pessoas haviam morrido com a Covid, e mais de 600 encontravam-se internadas.
Filipe Shimizu é clínico geral e trabalha na linha de frente da pandemia do coronavírus. No vídeo, ele fala sobre o aumento no número de internações e óbitos, e narra as dificuldades vividas pela classe médica.
Em cinco minutos de desabafo, Filipe chega a se emocionar em alguns momentos e pede para que a população fique em casa, a fim de evitar uma piora no quadro da pandemia na cidade.
“Todos os colegas que eu tenho conversando estão extremamente extenuados. A impressão que dá é que é tão grande, tão forte quanto o começo da pandemia, lá em abril, maio, quando a gente tinha uma super lotação dos hospitais, e agora tá acontecendo tudo de novo”, relatou.
O médico compartilhou, ainda, alguns relatos de casos vividos durante esse período. Segundo ele, não existem palavras para descrever a tristeza de olhar para uma paciente e dizer se ela vai ou não acordar da entubação ou dar uma notícia de óbito para uma família.
“Tem que ter a cabeça muito no lugar. Mas mesmo com a cabeça no lugar e com toda tranquilidade, é muito difícil. Tá sendo muito desgastante físico e emocionalmente tudo. Fisicamente porque chega um paciente e a gente tem que preparar para a entubação, às vezes para a ressuscitação cardio-pulmonar, e cansa demais isso. Cansa demais. E mentalmente porque a gente não tem a certeza de como esse paciente vai se adaptar ao ventilador, de como o paciente vai responder às medicações para controle da pressão […]”.
Filipe também explicou que, com o agravamento da Covid-19 nos hospitais, criou-se um clima de hostilidade com a classe médica frente à demora nos atendimentos.
“A gente tá dando mais do que a gente pode, de verdade, na questão da celeridade e qualidade nos atendimentos. Mas não tem como comportar tanta gente de uma vez só. Não está dando para atender todo mundo de maneira rápida. A gente, infelizmente, deve perder muito mais gente agora. Cada morte é sentida pela equipe médica, tanto quanto pela família, tenham certeza disso. A gente se sente muito responsável pelas vidas que a gente toca. É muito complicado quando a gente perde alguém”.
Por fim, o médico fez um apelo para que as pessoas fiquem em casa e só saiam para o extremo necessário. Ele também disse temer os reflexos da pandemia no futuro.
“Fiquem em casa, pelo amor de Deus. Só saiam para o extremamente necessário. […] A Covid tá voltando com tudo, numa velocidade assustadora e eu tenho medo do futuro, dos reflexos da pandemia, do que ela pode gerar de resistência bacteriana, de bactérias resistentes a alguns antibióticos prescritos de maneira equivocada por colegas médicos, tomados de maneira equivocada pelas pessoas. Enfim, a única forma de combater isso é permanecer em casa, se cuidando, principalmente cuidando dos outros. Não tem mais leito, não tem mais UTI, não tem mais corredor”, concluiu.
Aumento de casos
O número de pessoas vítimas da Covid-19 não para de crescer no estado. Na segunda-feira (28), o Amazonas registrou mais de 196 mil casos da doença e mais de 5 mil mortes.
Segundo a Prefeitura de Manaus, a média de enterros aumentou de setembro para cá, com a flexibilização das medidas de isolamento: de 30 pulou para cerca de 45 sepultamentos diários.
Mesmo com o aumento das vítimas, o governo do estado publicou um decreto que autoriza a reabertura do comércio não essencial. A decisão foi tomada depois de uma onda de protestos contra o fechamento de lojas durante o fim de semana.
Segundo o governo, dos 11 hospitais particulares da capital, sete estão com 100% dos leitos de UTI ocupados. Já os hospitais públicos estão com mais de 90% de taxa de ocupação de leitos.
No domingo (27), houve o registro de 95 novas hospitalizações em um único dia no estado. Em Manaus foram 88. Esse é o maior número de internações em um único dia desde o dia 15 de maio, quando foram registradas 82 hospitalizações.
Nesta terça-feira (29), dois hospitais de Manaus voltaram a montar tendas externas para triagem de pacientes. O objetivo das estruturas montadas nos prontos-socorros 28 de Agosto e Platão Araújo é melhorar o fluxo e agilizar o atendimento nos casos de urgência. Essas tendas já tinham sido usadas em unidades de saúde da capital amazonense no pico da pandemia, em abril e maio, quando o estado passou por colapsos nos sistemas de saúde e funerário.