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Pior seca desde a década de 1960 transforma polo mundial de sisal em ‘cemitério verde’: ‘Tudo morrendo’

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Por Henrique Mendes – Do G1 BA

Flor 'cebola-brava' é esperança de chuva no semiárido da Bahia (Foto: Henrique Mendes / G1)

Flor ‘cebola-brava’ é esperança de chuva no semiárido da Bahia | Foto: Henrique Mendes / G1

De eixo fino, tons rosados e aparência frágil, a “cebola-brava” crava uma raiz de esperança no solo seco do semiárido da Bahia. Resistente como o nordestino, a flor solitária que nasce de forma espaçada entre as roças do município de Valente, a cerca de 250 quilômetros de Salvador, reacende a fé dos produtores rurais. “É sinal de que a chuva, enfim, pode chegar”, revela a técnica agrícola Tamires Lopes, da Associação de Desenvolvimento Sustentável e Solidário da Região Sisaleira (Apaeb).

O anseio é iminente para uma população que tem a economia predominantemente baseada na produção do sisal, uma planta altamente tolerante ao clima seco, mas que não tem suportado o longo período de estiagem. “Eu mesmo não colho nada já tem dois anos. Está tudo morrendo e não tenho o que fazer”, admite o produtor José Maria Cunha Oliveira, que aos 52 anos de idade tem um “cemitério sisaleiro” no terreno que já abrigou 50 tarefas de plantação.

Na Fazenda Pau de Colher, a área de plantação virou cemitério de sisal (Foto: Henrique Mendes / G1)

Na Fazenda Pau de Colher, a área de plantação virou cemitério de sisal | Foto: Henrique Mendes / G1

O cenário na região, segundo o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia (Inema), é o pior já registrado desde a década de 1960, quando os dados sobre a seca no estado passaram a ser coletados de modo substancial. O órgão acrescenta que alguns centros meteorológicos já consideram a atual conjuntura a mais crítica dos últimos 100 anos. 

Na roça de Zé Maria, como é conhecido o produtor valentense, os dados do Inema se concretizam em um solo seco antes nunca visto. “Eu comprei isso aqui há 15 anos. Plantei o sisal e deu muito certo. Até cinco atrás, ainda dava um jeitinho. A coisa começou a piorar e há uns três ficou assim. Está tudo morrendo”.

Animais também dependem do sisal como alimento no semiárido da Bahia (Foto: Henrique Mendes / G1)

Animais também dependem do sisal como alimento no semiárido da Bahia | Foto: Henrique Mendes / G1

Zé Maria é dono da Fazenda Pau de Colher, na comunidade de Várzea dos Porcos. Ele percorre com nostalgia o terreno que há décadas também sustenta a esposa e dois filhos. De olhos fechados, sabe chegar ao local onde foram plantadas as primeiras sementes de sisal. Na mesma caminhada, vê os pés secos dentro de áreas que costumam se transformar em tanques a céu aberto em períodos de chuva.

“Aqui [aponta para o chão] fica tudo coberto de água. Há muito tempo que não se vê nada. Essa água que fica aqui que a gente usa para dar aos animais, para tomar banho, essas coisas. Agora, a gente tem que caçar onde tem água, onde tem tanque. A gente compra carro d’água, caminhão-pipa e aí bota na cisterna”.

Foto: Henrique Mendes / G1

Foto: Henrique Mendes / G1

Por conta da seca severa, o produtor não encontra opções de plantação. “Quando chove, você planta o milho, colhe o milho. Mas quando entra a seca, acaba tudo. Não tem chuva para você plantar outra coisa”. A criação de ovinos garante uma renda alternativa, mas até o rebanho tem sido afetado pela falta de água.

“Os animais dependem muito da lavoura sisaleira. No processo de produção da fibra, do desfibramento que a gente chama, se obtém a mucilagem, que é o resíduo popularmente conhecido aqui na região. Se aproveita a mucilagem para alimentar o rebanho”, explica o técnico agrícola da Apaeb, Cris Emanuel Bezerra. O produtor Zé Maria atesta que a falta de alimento já provocou a morte de ovelhas. “Já perdi muitas.”

Desemprego no campo
A morte de boa parte da plantação de sisal obrigou Zé Maria a parar a máquina responsável por desfibrar a planta, o que resultou na demissão de cinco pessoas que atuavam no serviço. Perto dali, na comunidade de Queimada do Curral, quem precisou tomar uma atitude semelhante foi o produtor Edílson Lima Gordino, de 54 anos.

“Nunca passou na minha roça uma estiagem como essa. Essa foi a primeira vez que parei a máquina. Isso afeta não só a mim, produtor. Você desemprega quatro ou cinco funcionários que trabalham na roça”, relata.

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‘Tanques’ espalhados pela cidade concentram pouca água e de má qualidade | Foto: Henrique Mendes / G1

Casado e pai de quatro filhos, Edílson tem uma vida inteira dedicada aos trabalhos do campo. Desde a década de 1980, mantém com a família um terreno que comporta 63 tarefas de sisal, na Fazenda Sítio Velho. “O melhor momento [de colheita], eu acredito que foi de 1990 até 2000. A gente colhia 1,5 mil kg por tarefa. Daria em torno de 90 toneladas anual. Hoje, talvez, não feche 50 toneladas no ano. Agora é tocar o barco, trabalhar de novo, só que as perdas são irrecuperáveis. Morreu, perdeu”.

Com o prolongamento da estiagem, as perdas na colheita de seu Edílson chegam a 40% da produção. Como opção de renda, assim como Zé Maria, ele também investe na criação de animais para dar conta das despejas em casa e do trabalho do campo. “A perda na produção é imensa. A gente complementa na criação dos ovinos. É a única fonte que a gente pode fazer o complemento. Quem tem uma poupança sobrevive com ela também”.

Foto: Henrique Mendes / G1

Foto: Henrique Mendes / G1

Impactos na indústria
A crise que afeta os produtores no campo atingiu em cheio a produção industrial. Na fábrica da Associação de Desenvolvimento Sustentável e Solidário da Região Sisaleira (Apaeb), que também fica no município de Valente, a baixa oferta de matéria-prima afetou a produção de itens que têm comercialização nacional e internacional, como tapetes, carpetes, capachos, fios, cordas, fibras e diversos outros itens domésticos.

O cenário fica mais claro quando os números da fábrica são apresentados. A produção a partir da matéria-prima, que já chegou a 100 toneladas por semana, agora não ultrapassa a margem de 15 toneladas. Nos meses de janeiro e fevereiro deste ano, a meta de R$ 3 milhões mensal em vendas foi atingida, mas a previsão final para o mês de março já é de um recuo de 30%.

Apaeb não recebe matéria-prima para produação desde outubro de 2016 (Foto: Henrique Mendes / G1)

Apaeb não recebe matéria-prima para produação desde outubro de 2016 | Foto: Henrique Mendes / G1

Gerente industrial da Apaeb, Juciano Santos Oliveira diz que a fábrica da associação não recebe matéria-prima desde outubro do ano passado e que tem se mantido com o estoque. Para lidar com a redução da produção, admite que já foram demitidos 30 colaboradores e concedidas férias coletivas para uma parcela da equipe. “Se não chover para regularizar isso aí, a situação vai ficar complicada. Mais 20 dias sem chuvas, vai paralisar”. 

Além do sisal de Valente, a Apaeb compra a planta de outros municípios que também são destaque na produção, a exemplo de Conceição do Coité, Campo Formoso, Jacobina, Iraquara, Santaluz e Monte Santo. Todas as localidades estão inclusas no eixo da seca e integram um panorama de 218 municípios baianos que decretaram situação de emergência por conta da estiagem. Segundo dados da Superintendência de Proteção e Defesa Civil (Sudec), a situação já afeta mais de quatro milhões de pessoas no estado.

Animais também dependem da água dos tanques para sobreviver à estiagem (Foto: Henrique Mendes / G1)

Animais também dependem da água dos tanques para sobreviver à estiagem | Foto: Henrique Mendes / G1)

Desafios de mercado
O gerente de marketing e vendas da Apaeb, Uirã Santa Bárbara Oliveira, conta que as vendas na fábrica atendem equitativamente em 50% os mercados nacional e internacional. “Com a seca, a oferta acaba reduzindo e com isso há uma mão do mercado que acaba empurrando o preço para cima. Isso é complicador, principalmente a nível de mercado externo, porque a gente tem outros concorrentes e quando o preço sobe muito a gente perde mercado”, detalha.

Nacionalmente, 60% a 70% das vendas dos produtos da Apaeb estão concentradas em São Paulo, capital que detém as maiores redes de distribuição dos manufaturados produzidos em Valente. O resto do percentual se divide entre os demais estados da região sudeste, como também do sul. No mercado internacional, a comercialização atende os EUA, além de países da Europa, da África e da Ásia – especialmente a China.

A queda na produção tem afetado o acordo por encomendas. “Infelizmente, acaba tendo que perder alguns pedidos que estariam gerando emprego e renda aqui na cidade. A gente só vai poder normalizar quando voltar a chover e voltar a ter a fibra”, admite o gerente de  vendas.

São raras as plantações que ainda têm algum sisal bom para colheita (Foto: Henrique Mendes / G1

São raras as plantações que ainda têm algum sisal bom para colheita | Foto: Henrique Mendes / G1

Auxílio
Por meio de nota, a Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (Sead), do governo federal, disse que possui um plano chamado de “Garantia Safra”, que auxilia agricultores que sofrem perdas em razão de estiagem ou excesso hídrico. O órgão destaca, entretanto, que a lei que garante o benefício (Nº 10.420/2002) não atende diretamente a produtores de sisal e que cobre as seguintes culturas: feijão, milho, arroz, mandioca e algodão.

Também por meio de nota, a Secretaria Municipal de Agricultura e Desenvolvimento Econômico de Valente afirmou que os produtores de sisal não têm, até o momento, nenhum tipo de benefício emergencial por conta das perdas provocadas pela seca. Entretanto, relatou que vem discutindo com os governos estadual e federal formas de apoio aos agricultores afetados, como também a criação de um programa que reestruture a cadeia sisaleira.

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