Share Button

Por TV Globo

Foto: Unsplash

Autor do recurso que levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a fixar que não é crime o porte de maconha para uso pessoal, o defensor público Leandro Castro Gomes afirmou que a decisão é um “ponto de partida” para dar segurança ao usuário.

Gomes, no entanto, avalia que o critério de 40g da droga ou seis plantas fêmeas para diferenciar usuário de traficante deixa brechas, e que o Judiciário precisa cobrar provas efetivas para que uma pessoa seja enquadrada no crime de tráfico de drogas.

“Eu reitero a importância de que haja muito critério na avaliação das circunstâncias fácticas que, eventualmente, sejam utilizadas para afastar a presunção de que aquela pessoa é um usuário”, afirmou.

Na quarta-feira (25), os ministros definiram a tese do julgamento que descriminalizou o porte de maconha para consumo pessoal. O Supremo definiu que será presumido usuário quem adquirir, guardar, depositar ou transportar até 40g de cannabis sativa ou seis plantas fêmeas.

Isso porque, pela decisão do STF, mesmo se a pessoa estiver com menos de 40g, ela poderá ser presa. Basta que o policial, e depois a Justiça, entendam que a pessoa abordada em flagrante atuava como traficante (apresentando, por exemplo, sinais de que vendia a droga).

Se houver indício de comércio de droga, como uso de balança de precisão, anotações com contatos de usuários e dinheiro em espécie, não importa a quantidade de maconha apreendida, a pessoa será enquadrada como traficante, com pena de 5 a 15 anos de prisão.

O presidente do STF, Luis Roberto Barroso, afirma que a decisão do tribunal visa justamente eliminar a arbitrariedade policial. Consequentemente, evitar que jovens negros de periferia, que se enquadrariam como usuários, sejam presos, em razão de preconceito.

Para o defensor público Leandro Gomes, a decisão é um “ponto de partida”.

“Apesar da fixação dos critérios objetivos, me parece que esse é um ponto de partida. É preciso que o Judiciário passe a exigir critérios probatórios mais relevantes, mais substanciosos, pra gente fazer valer essa presunção das 40 gramas. Sob pena de, em qualquer situação concreta que o policial trouxer, falando que a pessoa correu, a pessoa estava com dinheiro, já ocorra o afastamento”, disse em entrevista à TV Globo.

Segundo Gomes, é necessária uma avaliação criteriosa dos indícios presentes no flagrante e na apreensão da droga.

“Não pode ser qualquer dado. Não pode ser, por exemplo, uma confissão informal que, às vezes, é muito utilizada. É preciso que, de fato, existam provas substanciais e relevantes para afastar aquela presunção”, afirmou.

Caso começou com 3g de maconha

Na Defensoria Pública de São Paulo, Gomes assumiu a defesa de Francisco Benedito, 64 anos. Em 2009, o mecânico foi flagrado com um saco com 3 gramas de maconha.

A “trouxinha”, como registraram os agentes penitenciários, foi encontrada na cela onde cumpria pena de detenção no centro de detenção provisória de Diadema (SP) por outros crimes. Souza acabou condenado à prestação de serviços à comunidade por dois meses.

O defensor questionou no Supremo a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas que prevê sanções alternativas – como medidas educativas, advertência e prestação de serviços – para quem compra, porta, transporta ou guarda drogas para consumo pessoal.

Alegou que a norma fere a Constituição ofendendo os princípios, como o da intimidade, da privacidade e da autodeterminação.

Na época, Gomes se inspirou numa decisão tomada pela Suprema Corte Argentina que descriminalizou o porte de pequenas quantidades de drogas para consumo pessoal.

Após nove anos de julgamento, por seis votos a cinco, Benedito acabou absolvido pelos ministros do Supremo. Na quarta-feira (25), os ministros definiram a tese do julgamento que descriminalizou o porte de maconha para consumo pessoal. O Supremo definiu que será presumido usuário quem adquirir, guardar, depositar ou transportar até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas fêmeas.

‘É preciso muito trabalho’

Para Gomes, a decisão do Supremo tem potencial para tirar pressão sobre o sistema prisional, além de ter o simbolismo de demonstrar vários erros na política criminal sobre drogas.

“Acho que a médio e longo prazo, com muito trabalho das defesas, com uma conscientização do Judiciário, ela tem a capacidade de impactar, mas ela por si só, de maneira automática, ela não tem esse poder. É preciso muito trabalho, é preciso muito respaldo do Poder Judiciário”.

Gomes disse esperar que o Congresso se alinhe ao entendimento do Supremo de que o consumo de droga é uma questão de saúde pública.

“O Supremo declara que a droga permanece com um ato ilícito, não houve uma liberação, não houve uma legalização, é importante que o Congresso entenda isso e é o que a gente espera que na verdade haja uma sinergia entre o Supremo e o Congresso Nacional, para o Congresso encampar uma política pública mais voltada para saúde pública, mais racional e não indo contra o que foi decidido pelo Supremo”, disse.

A Câmara dos Deputados discute uma proposta para mudar a Constituição e fixar que é crime o porte e a posse de qualquer droga, independentemente da quantidade. O texto já foi aprovado pelo Senado.

Deixo o seu comentário

comentário(s)